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Revista de Haicai - Editores: Chris Herrmann e Jiddu Saldanha
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quinta-feira, 13 de maio de 2010



Artur Gomes pergunta e o Haicaísta Celso Pestana responde

Artur Gomes (1948) Fazenda Santa Maria de Cacomanga, Campos dos Goytacazes - Estado do Rio de Janeiro. Poeta - ator - produtor cultural - autor dos livros: Um Instante no Meu Cérebro, Mutações em Pré-Juízo, Além da Mesa Posta, Suor & Cio, Boi Pintadinho, Couro Cru & Carne Viva, 20 Poemas com Gosto de JardiNÒpolis & Uma Canção com Sabor de Campos, Conkretude Versus ConkrEreções. CarNAvalha Gumes, Brazilírica Pereira: A Traição das Metáfocas.

Inéditos: SagraNAgens Fulinaímicas e Juras Secretas.

Em 2002 com os parceiros Naiman, Luiz Ribeiro e Reubes Pess, lançou o CD fulinaíma sax blues poesia, com poesia falada e cantada e música instrumental. Atualmente produz com o seu filho Fil Buc, o CD fulinaíma 2. Com poesia falada percorre os 4 cantos do país, e no próximo dia 21/5 estará em Macaé com o show fulinaíma blues poesia, dividindo o palco com o seu filho Fil Buc, e o Luiz Ribeiro. Criador dos projetos: Mostra Visual de Poesia Brasileira e Retalhos Imortais do SerAfim - Oswaldo de Andrade Nada Sabia de Mim


ARTUR GOMES - por quê no Hai kai a rima quase sempre é abolida? deve-se a concisão que os versos precisam ter?


CELSO PESTANA - Acho que se pode ser conciso com rimas e as nossas quadrinhas são um bom exemplo disso. A questão, me parece, é o que buscamos com a concisão.

As quadrinhas privilegiam a ideia, até mesmo uma ideia sobre um sentimento, e buscam apresentar essa ideia de um jeito elegante; para isso se valem da harmonia das rimas com a ideia. Por exemplo:


Trazes uma cruz no peito.

Não sei se é por devoção.

Antes tivesses o jeito

De ter lá um coração.


(Fernando Pessoa)


Talvez se possa dizer que uma quadrinha assim é uma obra fechada, tudo está dito. Fiéis às essas nossas tradições, os haicais guilherminos incorporam as rimas da quadrinha:


VELHICE


Uma folha morta.

Um galho no céu grisalho.

Fecho a minha porta.


(Guilherme de Almeida)


Como na quadrinha anterior, o poema explica tudo – e parece que o título está ali para o caso de ainda restar qualquer dúvida. O sentimento está muito elaborado pela ideia. Costumo dizer, com a irreverência que me é peculiar, que um haicai assim é como um mulher muito baixinha muito enfeitada com vistosos brincos e colares.


Já Bashô preferiu assim (adaptado de uma tradução de Edson Kenji Iura):


Um corvo

Pousado num galho seco -

Tarde de outono.


Aqui temos um bom exemplo do que é a concisão de um bom haicai. Ao invés de dizer o que está sentindo ou de tentar explicar o sentimento em poucas e bem elaboradas palavras, o haicaista apenas mostra uma imagem. Há, é claro, que saber escolher a imagem e as palavras que vão apresentá-la – é aí que mora o busílis, como dizia minha avó, do haicai - mas só se diz o suficiente para que o leitor seja tocado por um sentimento universal, num primeiro momento, para depois lhe dar um cunho pessoal, de acordo com a sua cultura ou com suas idiossincrasias.


Uma concisão assim é um atributo importantíssimo do haicai. Uma rima ou uma figura de linguagem mais elaborada podem comprometer esse approach, podem desviar o foco da imagem – a força do poema – para a maneira como a imagem é elaborada. Acho que é para privilegiar esse tipo de concisão que se evita a rima, entre outras figuras de linguagem, nos bons haicais.


ARTUR GOMES - A rigidez da forma no Hai Kai, para o poeta é uma prisão?


CELSO PESTANA - Há rigidez da forma no Hai Kai? Fernando Pessoa se sentiu preso quando escreveu aquela quadrinha da resposta anterior? Guilherme de Almeida se sentia preso quando escrevia seus guilherminos? Bashô, que dedicou sua vida ao haicai e até empreendeu uma longa viagem para explorar melhor esse caminho, sentia-se de alguma forma tolhido na sua arte?

(Aliás, não consigo imaginar o nosso poetinha desgostoso com a “obrigação” de escrever o seu “Soneto da Fidelidade” em decassílabos distribuídos em 4-4-3-3.)


A tão propalada liberdade poética é um conceito muito importante, mas muito mal utilizado. Confunde-se liberdade poética com versos livres. Mas todo poema tem uma forma:


Não adules o poema. Aceita-o

como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada

no espaço.


(Drummond, Procura da poesia)


Também se confunde escrever versos livres com escrever sem cuidado qualquer coisa ditada pela inspiração. Inspiração todos temos, mas só os bons poetas sabem o que fazer com ela, sabem como trabalhá-la, seja com versos livres, com quadrinhas, com sonetos, com haicais. Sabem porque têm talento, mas também porque enriqueceram e afinaram seu talento com o estudo. O haicai pode ser uma prisão se não nos dedicarmos a aprender um pouco mais sobre as suas características específicas. É ainda Drummond quem diz:


Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?


(Idem, idem)


Sem a chave, não se abre a porta de qualquer prisão.


ARTUR GOMES - Por quê no Hai kai não é permitido o erotismo?


CELSO PESTANA - Porque, no Japão, poemas de três versos francamente humorísticos, satíricos, bem sacados ou eróticos são chamados de senryu. A proposta do haicai é diferente, e privilegia a relação do homem com a natureza - o que não se confunde com ecochatices politicamente corretas -, embora possamos encontrar toques de humor, de sátira ou mesmo de “leve” erotismo em alguns desses poemas.


Entre nós, porém, a palavra haicai vem sendo usada para designar qualquer coisa que se escreva em três versos. Ter ou não ter erotismo não faz diferença - porque, nesse caso, não é com o diferente que estamos lidando.



Um comentário:

  1. Adorei tudo, mas esta segunda resposta me foi das mais valiosas. É bobagem acreditar que não há liberdade poética no haicai só porque ele tem regras (e nem são tantas assim).

    Abraço!

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