Eu juro de pé junto
Com o calor na capela
suava até o defunto
Alvaro Posselt nasceu em Curitiba. |
"Tão Breve Quanto o Agora" tornou-se um livro apreciado por poetas e leitores que gostam de haicai e até mesmo por leigos. |
Alvaro Posselt nasceu em Curitiba. |
"Tão Breve Quanto o Agora" tornou-se um livro apreciado por poetas e leitores que gostam de haicai e até mesmo por leigos. |
Sou consciente de que, se é pouco habitual dedicar umas horas à apresentação de uma obra literária se se trata de poesia, o fato de que estejam dividindo este momento comigo resulta extraordinário e quase toca o milagroso se a poesia que se apresenta é de um gênero tão pouco conhecido e minoritário como o haicai. Quero agradecer também, como não poderia ser menos, a Noé Zayas, meu editor, porque se já é quase milagroso encontrar leitores de poesia, encontrar quem a publique é definitivamente sobrenatural.
A pequena obra que apresentamos leva por nome de batismo “Um vento dourado” e como subtítulo: “35 haicais, um zéjel e várias redondilhas”. Alguns destes poeminhas foram anteriormente publicados, com as maravilhosas versões de Cristiane Grando, na revista virtual brasileira “Haicai”, editada por Jiddu Saldanha.
Gostaria de lhes fazer um breve relato da gestação deste livro. Sou, fundamentalmente, um escritor em prosa, apesar de que sempre, desde muito jovem, escrevi poesia; mesmo estando publicadas, algumas delas em revistas e outros meios, nunca foram organizadas em forma de livro. Acabava de publicar um livro de relatos ou novela breve que se passava entre a Guiné Equatorial, Camarões e Senegal, “Áfrika Star”, e me dedicava à documentação necessária para escrever outro livro que igualmente se passa na África e cujo nome – até este momento - é “Harmattan”, já sabem, o vento de areia que baixa do deserto do Saara. Nisso ocupava os longos, preguiçosos e luminosos dias de minhas férias em Salamanca.
Certa tarde, meu bom amigo, o fotógrafo Miguel Hernández (sim, como o poeta), que pratica meditação zen e é um conhecedor da cultura japonesa, me recitou, durante um lento passeio entre pinheiros, uns poeminhas breves e curiosamente descritivos, misteriosos e impactantes. Me explicou, diante de minha curiosidade, que eram haicais. Esta pequena joia poética me cativou e, quase sem querer, timidamente, escrevi um par deles e os mostrei a Miguel:
_ Você escreveu uns haicais autênticos! - exclamou.
Então, continuei, quase com libidinosa voluptuosidade, escrevendo estes poeminhas enquanto continuava com o meu projeto de novela.
Mas, o que é um haicai? É, em essência, um poema breve de três versos, ou seja, um terceto. O primeiro verso é de cinco sílabas, o segundo de sete e o terceiro de cinco (5-7-5). Quanto ao seu conteúdo original, os poetas japoneses do século XVI nos dizem que “haicai é o que está sucedendo neste lugar, neste momento”. Tem, pois, mais alma de aquarela que de grandes telas a óleo. Outra das características clássicas do haicai é a de incluir uma referência, mais ou menos velada, à estação do ano. As origens do haicai estão profundamente submersas nas tranquilas águas das grandes filosofias e religiões: no Taoísmo, no Confucionismo e no Budismo, fundamentalmente na corrente zen. Até meados do século XIX, momento em que a cultura japonesa se abre à influência do exterior (e vice-versa), o haicai é praticamente desconhecido no Ocidente. O grande poeta japonês Massoka Shiki (1867-1902) revolucionou o haicai limpando-o de seu desvelo velho, religioso e formal e popularizando-o entre os jovens poetas japoneses. Fora do Japão, as primeiras composições influenciadas pelo haicai são encontradas no poeta inglês B. H.Chamberlain e, posteriormente, em Ezra Pound, D. H. Lawrence ou J. Joyce. Em língua espanhola, foi o México, sem dúvida alguma, o país onde o haicai teve um maior número de cultivadores e uma maior difusão. O poeta mexicano José Juan Tablada, com os que ele chamava “poemas sintéticos”, encontrou uma inspirada e pessoal forma de expressão. Tablada transforma o haicai, tanto formal quanto tematicamente, para adaptá-lo a suas necessidades expressivas; por exemplo, incorpora o título e o uso da rima (ambas coisas impensáveis no haicai clássico) e abre o leque de temas à cotidianidade contemporânea. Outros ilustres cultivadores do haicai em língua hispânica tem sido Octavio Paz, Antonio Machado e Jorge Luis Borges.
Depois, brincando, brincando, aumentei o livrinho com um par de estrofes clássicas espanholas, criadas na mesma época e de origem oriental (via árabes): o zéjel e a redondilha.
O zéjel é um dos tipos poemáticos mais antigos da nossa lírica, com exemplos datados a partir do século XIV. Sua origem se situa na poesia moçárabe e estão escritos em árabe dialetal com algumas palavras em romance. Originalmente, o zéjel era cantado por coro e solista e costumava ser acompanhado de alaúde, flautas, tambor ou castanholas. Em resumidas contas, o zéjel é uma estrofe formada por um estribilho e uma mudança que inclui um verso de volta, ou seja, um tríptico monórrimo com estribilho e um quarto verso de volta. Em tempos contemporâneos, têm utilizado esta estrofe poetas como Rafael Alberti e o maiorquino Llorenç Vidal.
A redondilha, que muito amou Lope de Vega, é outra antiga estrofe de profundas ressonâncias populares e que se compõe com quatro versos octossílabos, ou seja, de arte menor, com rima intercalada (abba) ou cruzada (abab). Se diferencia do quarteto pois esta é de arte maior, ou seja, os versos são endecassílabos e é uma estrofe mais culta, mais longínqua das águas frescas e vivas do romance.
Espero não os haver cansado demais. Em todo caso, se algum de vocês tiver interesse, tudo o que foi falado estará dentro das páginas desse livro, de cujo conteúdo lhes vamos oferecer uma mostra a seguir, eu e minha grande amiga e tradutora, a poeta brasileira Cristiane Grando, sem cujo entusiasmo e generosidade este livro não existiria.
Muito obrigado!
Ignacio Sánchez
Tradução: Cristiane Grando
Revisão: Giovana Bleyer
por Fernando Casanova - 21/12/11
Foto: Karla Khoury
O livro como objeto de arte está se transformando na resposta que os livros oferecem às novas formas de lê-los. O livro-objeto é consequência do presente, evolucionou e se desenvolve paralelamente ao ritmo das mudanças sociais, tecnológicas e criativas; e o faz com a força que gera o não perder o contato com a realidade criativa e com os colecionadores, bibliófilos e amantes da arte.
“Opera Prima”, editora dominicana, iniciou uma coleção com o livro-objeto de arte “HAIKUS Y ACUARELAS”. Um livro que é uma homenagem aos universos, o da literatura e o das artes plásticas, duas manifestações que têm corrido paralelas pela história, sempre tocando-se levemente, inspirando-se mutuamente. Neste livro-objeto confundem-se o escritor e o artista plástico.
A pintura abstrata de Said Musa nesta coleção de aquarelas e cerâmicas sobre haicais de Ignacio Sánchez alude a um novo tipo de sensibilidade: a de compreender certas coisas, a de captar e traduzir a essência da poesia. Toda obra de arte costuma possuir uma materialidade que se forma, ou que cobra forma, seguindo os ditados de alguma ideia estética determinada. Esta obra é uma espécie de livro que sonha e nos faz sonhar sobre o mundo de posibilidades que nos oferece a arte.
A edição de “Haikus y Acuarelas” é composta de cinquenta exemplares, para colecionadores de arte e bibliófilos, com azulejo-cerâmico original único em cada uma das capas e, além disso, uma aquarela original única sobre papel no final do livro. As 35 ilustrações foram especialmente elaboradas para este volume; todas as peças são coloridas, e todos os exemplares, assinados pelos autores. Um livro de uma beleza que assombra. Fazia falta que se fizessem coisas assim em nosso país.
Foto: Karla Khoury
Qualquer destas aquarelas ou cerâmicas condensa uma visão totalizadora da beleza expressa através da cor, e cada peça criada nesta coleção está inspirada por uma leitura emotiva de poesia de grande qualidade. É a arte pela arte, através da arte e dentro da arte. Uma combinação feliz para um livro que já será uma peça de coleção importante em nosso país e na Espanha.
Os livros eternos serão edições mimadas, luxuosas umas, humildes e indispensáveis outras. O livro objeto de arte será um veículo para expressar outras mensagens, não somente as que se leem. Serão livros particulares porque o livro-objeto não conhece limites, não respeita leis de mercado, não pretende ocupar o espaço de outro produto cultural, não é um ato puramente racional; é emotivo, lúdico e estimulante. São os livros mais livres de todos os livros. Os livros que amaremos terão alma, como este.
Texto publicado originalmente em espanhol no jornal “Diario Libre” (São Domingos, República Dominicana): http://artelibre.diariolibre.com/?p=17
Tradução: Cristiane Grando
Um Vento Dourado
de Ignacio Sánchez
Seleção e tradução de Cristiane Grando
Luces violentas
Atraviesan los cielos
De las tormentas
Luzes violentas
Atravessam os céus
Das tormentas
Insomnio en la tormenta
Brotan del rayo
Fosforescentes sueños
Estrafalarios
Insônia na tormenta
Brotam do raio
Fosforescentes sonhos
Extraordinários
Viento dorado,
Remolino de hojas.
Todo ha pasado.
Vento dourado,
Remoinho de folhas.
Tudo é passado.
Humilde albur.
Sí. No. Pétalos blancos
Riegan los prados.
Humilde acaso.
Sim. Não. Pétalas brancas
Regam os prados.
Duerme el lagarto
Su sueño amarillo
Sobre la piedra.
Dorme o lagarto
Seu sonho amarelo
Sobre a pedra.
El olor blanco
Del ramo de azucenas
Abandonado.
O aroma branco
Do ramo de açucenas
Abandonado.
Flores de acuarela
Sobre la blanca tapia:
Las buganvillas.
Flores de aquarela
Sobre a parede branca:
As primaveras.
La vela blanca,
Como una garza posada
En el horizonte.
A vela branca,
Como garça pousada
No horizonte.
Tierra mojada.
En la postrer tormenta
Olor de infancia.
Terra molhada.
Após a tormenta
Aroma de infância.
Álamo blanco
Orilla del arroyo
De la memoria.
Álamo branco
Orla do arroio
Da memória.
El olor verde
De la lluvia caliente
Sobre el palmeral.
O aroma verde
Da chuva quente
Sobre o palmeiral.
Bóveda azul
Y un revuelo de palmas
Contra el mar plata.
Abóbada azul
Algazarra de palmas
Contra o mar prata.
Hay un silencio
Escondido en las entrañas
De tu recuerdo.
Há um silêncio
Escondido nas entranhas
Da tua lembrança.
Instante o luz.
Diminutos fulgores:
El colibrí.
Instante ou luz.
Diminutos fulgores:
O beija-flor.
Quito-Santo Domingo, agosto de 2009.
Poemas do livro: “Un viento dorado: 35 haikus, un zéjel y varias redondillas” / “Um vento dourado: 35 haicais, um zéjel e várias redondilhas”, de Ignacio Sánchez. Tradução: Cristiane Grando. Revisão: Aline Sales. Portada: acuarela de Said Musa. San Francisco de Macorís: Angeles de Fierro, 2011.
Ignacio Sánchez
Nascido em Salamanca (Espanha). Na Universidade desta cidade estudou na Faculdade de Letras. Graduado em Geografia e História na Universidade de Salamanca, em Língua e Literatura Francesas na Universidade de Genebra, é atualmente funcionário do Ministerio de Asuntos Exteriores de España e Caballero de la Orden del Mérito Civil, título outorgado por S.M. o Rei da Espanha. Por motivos de trabalho, e também por vocação, viveu em diferentes países e em vários continentes. Atualmente reside em São Domingos. Quase toda a sua vida profissional se realizou no exterior: foi Diretor do Centro Cultural Espanhol em Malabo (Guiné Equatorial), Cônsul na Embaixada da Espanha em Dakar (Senegal), Cônsul no Consulado Geral da Espanha em Quito (Equador) e é, atualmente, Chanceler do Consulado Geral da Espanha em São Domingos. No âmbito cultural, foi Diretor-Fundador da revista cultural “El Patio”, editada pelo CCHG de Malabo, Diretor da revista e da programação cultural da emissora de rádio “África 2000”, organizador de diversas publicações de artigos e relatos na Revista de Cultura da Diputación de Ávila, na revista “Luki Luke” e em diversos meios radiofônicos, Diretor-Fundador da editorial “Malamba”, especializada em Literatura Negroafricana. É autor de “El Áfrika Star” (Editorial Abya Yala, Quito).
Alguns links de interesse
http://es.wikipedia.org/wiki/Centro_Cultural_Hispano-Guineano
http://www.espacioluke.com/Junio2001/sanchez.html
Sobre a tradutora
Cristiane Grando
(Cerquilho-SP, Brasil, 1974) Escritora brasileira. Autora de Fluxus, Caminantes, Titã, Gardens, Galáxia e GrãO: poesia em português, francês, espanhol, catalão, inglês e italiano. Laureada UNESCO-Aschberg de Literatura 2002. Doutora em Literatura (USP, São Paulo), com pós-doutorado em Tradução (UNICAMP, Campinas), sobre as obras e manuscritos de Hilda Hilst. Professora convidada de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira na Universidad Autónoma de Santo Domingo (UASD) desde 2007. Diretora-fundadora do espaço cultural Jardim das Artes (Cerquilho-SP, Brasil, 2004) e do Centro Cultural Brasil-República Dominicana (São Domingos, 2009).
http://www.letras.s5.com/archivogrando.htm
crisgrando@gmail.com
NOSSO HAIKAI tem como objetivo trazer textos informativos, links, entrevistas e particularidades que envolvem o tema HAICAI. Muito mais que um terceto de cerca de 17 sílabas e regras determinadas, o famoso poema de origem japonesa é uma via para novos aprendizados e descobertas. É um caminho que não se fecha em valores pessoais e não pretende julgar o mundo, mas que traz na sua simplicidade a arte de torná-lo mais visível e aberto à fantasia do leitor.
Jiddu Saldanha e Chris Herrmann