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Revista de Haicai - Editores: Chris Herrmann e Jiddu Saldanha
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sábado, 23 de outubro de 2010

Um Brinde a Benedita Azevedo!
Jiddu Saldanha

Foi um momento ímpar poder realizar o lançamento dos livros “ Silêncio da Tarde” e “Rumor das Ondas” de Benedita Azevedo. Confirmação de mais um espaço dedicado ao haicai e à poesia curta: O restaurante Sansushi, em Sta. Tereza, um dos mais belos e tradicionais bairros do Rio de Janeiro. Tivemos as presenças de Jorge Salomão, Celso Pestana, Antõnio Gutman e o fotógrafo Rodrigo Méxas, além claro de nossa queridíssima Monja zen Eishun que aproveitou o momento para comemorar seu aniversário com muita alegria e o mais puro amor no coração.


Poetas e Fotógrafos brindam no lançamento
dos livros de Benedita Azevedo

Não faltou vinho de qualidade e sushi de primeira e todos puderam se confraternizar e eternizar mais um momento em que o Rio de Janeiro começa acordar para a produção de haicais feitos no estado. Foi um encontro de riqueza poética e descobertas importantes para a prática do haicai. Fizemos a exibição dos Cine Haigas onde a platéia presente pode conhecer belos haicais projetados na tela de haicaístas como Paulo Franchetti, Rosa Clement, José Marins e tantos outros que trouxeram alegria, reflexão e contemplação para este belo momento.

Benedita Azevedo, uma pilha de livros, vinho e muito haicai!

Dentre as alegrias que tivemos, o livro “Silêncios” de Gustavo Felicíssimo, correu de mãos em mãos enquanto explicávamos para a platéia os diversos gêneros de poesia japonesa (tanka, haibun, haicai encadeado, senryu) presentes na belíssima publicação do poeta paulista que, atualmente, reside em Itabuna, Bahia.

Por volta de 22 horas, Benedita despediu-se dos amigos presentes e foi ao encontro de Teruko Oda, no Paraná, para mais uma jornada de haicai naquele estado. Ficamos todos felizes com o lançamento e saímos de lá com um belo sorriso japa da simpáticíssima Tizuko Shiraiwa, dona do restaurante Sansushi que nos contemplou com sua impecável hospitalidade.

Que o haicai siga marcando sua presença no Rio de Janeiro. É o nosso maior desejo!
.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010





segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Primeiro renga realizado pelos membros da lista HAIKAI, agora com seus encadeamentos comentados pelo prof. Paulo Franchetti

Tarde de verão

1.
Tarde de verão –
Que refrescante
O cheiro da chuva!
2.
A rede na varanda
Balançando retorcida.


* Aqui a ligação é sutil. Há uma continuidade, mas não evidente. O que é sempre melhor. O cheiro da chuva é trazido pelo vento. O vento, ausente, na primeira estrofe e também não referido explicitamente na segunda é que é o elemento de ligação.

2.
A rede na varanda
Balançando retorcida.
3.
A casa vazia.
O cachorro arranca as roupas
Que secam no varal.


* A rede balançando retorcida sugere ausência. Ela está retorcida e talvez isso queira dizer que está vazia há algum tempo. O poeta encadeou em cima da ideia de vazio, de ausência. A casa não é desabitada, como vemos depois. Apenas não há ninguém nela por alguns momentos. O cachorro, sem ninguém que o vigie ou por puro desfastio, ataca as roupas.

3.
A casa vazia.
O cachorro arranca as roupas
Que secam no varal.
4.
Ecoam pela cidade
As vozes do trio-elétrico.


* A excitação do animal fornece o elo para a estrofe seguinte. Não há ninguém ali, talvez porque foram todos para o Carnaval. O barulho da cantoria talvez seja o que excita o cachorro.

4.
Ecoam pela cidade
As vozes do trio-elétrico.
5.
Trilha de montanha
As dores das pernas somem
Ao som da cascata


* Um belo encadeamento, fazendo o renga torcer para outro lado. Alguém se afasta da zoeira da cidade, em direção a um recolhimento nas montanhas. Os cantos de Carnaval são substituídos pelo som da cascata. Correr atrás do trio elétrico cansa, como cansa subir a montanha. Mas o som da cascata alivia a dor do cansaço com a promessa do refrigério. Portanto, é um encadeamento que estabelece um contraste entre dois cenários, um urbano e um rural, e dois ruídos, um excitante outro relaxante.

5.
Trilha de montanha
As dores das pernas somem
Ao som da cascata
6.
A imagem de um Buda
Ondula no espelho d'água.


* Outro belo encadeamento, no qual o afastamento do tema do Carnaval e da cidade se completa. Há uma continuidade: a água da cascata agora forma um espelho de água, no qual se reflete uma imagem de Buda. A sugestão é de um mosteiro ou ermida. O repouso do corpo encontra um equivalente na sugestão do repouso da mente e da alma.

6.
A imagem de um Buda

Ondula no espelho d'água.
7.
Manhã azul -
O povo chega de metrô
À praça da Sé


* Aqui o poeta parece o próprio Bashô. É muito notável este encadeamento. Tínhamos chegado num ponto de grande tensão. Havia o risco de exotismo orientalista, de começarmos a falar de coisas distantes e “poéticas”. Até onde tínhamos chegado, foi ótimo. Se prosseguíssemos no mesmo caminho, dificilmente o renga se manteria vivo. O poeta opera uma virada súbita. O Buda não está mais num mosteiro, mas na Liberdade, em São Paulo, reduto da colônia japonesa. Não há mais trilha de montanha, nem quietude. O Buda está presente em toda parte: no mosteiro e na confusão da praça. Sua imagem ondula igualmente no espelho de água. Alguém poderia dizer que a mente livre a vê tanto em um lugar como em outro. Mas isso seria talvez simbolismo excessivo. Quando a mim, o importante é o contraponto com o tom anterior e o desenvolvimento surpreendente não porque seja “brilhante”, mas por trazer de volta o pé ao chão, ao humilde e imediato. Nisso reside o brilho.da estrofe.

7.
Manhã azul -
O povo chega de metrô
À praça da Sé
8.
A plenos pulmões o pastor
Arrebanha novos fiéis.


* A cena urbana tem continuidade. O link é a imagem do rebanho. A chegada do povo, das centenas de pessoas, é seguida pelo pastor de almas que busca arrebanhar os fiéis saídos do metrô. Não há mais Buda, nem mosteiro, nem serenidade na manhã azul.

8.
A plenos pulmões o pastor
Arrebanha novos fiéis.
Final do dia –
9.
Tantas andorinhas,
Sob um céu de chuva.


* A cena evolui para a noite. No final do dia, o pastor tenta congregar possíveis fiéis, falando alto. No céu, um bando de andorinhas (ou seja, o link ainda é feito pela ideia de rebanho, implícita no verbo arrebanhar) se alimenta, em aparente desordem, com seus ruídos agudos. Talvez seja possível arrebanhar os fiéis, mas não as aves do céu, que não semeiam nem colhem nem ajuntam em celeiros. Ou talvez esse seja o mote do sermão do pastor. O céu de chuva no final do dia dá um fechamento da cena e obriga o renga a tratar da noite, até agora ausente. Algumas estrofes depois, talvez, surja a lua no céu aberto.

9.
Final do dia -
Tantas andorinhas,
Sob um céu de chuva!
10.
O gato sobre a mureta
anda pra lá e pra cá.


* As andorinhas percorrem o céu em várias direções. O gato anda em linha reta sobre a mureta. O movimento dos seres da natureza compõe um quadro interessante, sugerindo a tensão que antecede a chuva.

10.
O gato sobre a mureta
anda pra lá e pra cá.
11.
Madrugada -
Chora na maternidade
o mais novo pai.


* Um belo encadeamento. O caminhar para um lado e para outro encontra seu desenlace no final da tensão do parto. O poeta criou uma continuidade realmente sutil! O pai provavelmente também andava de um lado para outro, como o gato no muro. Esse é o ponto de ligação, que não está explícito, mas ilumina esses cinco versos com a luz do haicai.

11.
Madrugada -
Chora na maternidade
o mais novo pai.
12.
Alguém segue contente
pela neblina da cidade.


* O mundo está em paz. Nasce uma criança na madrugada; alguém atravessa a neblina contente. Como há neblina, ou a pessoa que segue contente é o próprio poeta, ou é outra pessoa e, nesse caso, talvez siga cantando ou assoviando, uma vez que não há percepção visual.

12.
Alguém segue contente
Pela neblina da cidade.
13.
Caminho de casa -
O sol brilhando nas flores
Da acácia-mimosa.


* Acácia-mimosa é kigo de inverno. A cena é uma manhã ou uma tarde de neblina (conforme a pessoa trabalhe à noite ou durante o dia), na qual o calor e a luz do sol de inverno se tornam mais presentes. A acácia floresce em junho e sua florada dura pouco tempo. O brilho passageiro do sol que suplanta a neblina, bem como a brevidade das flores ecoa a alegria da pessoa que caminha, sugerindo transitoriedade.

13.
Caminho de casa –
O sol brilhando nas flores
Da acácia-mimosa.
14.
Na gangorra da praça,
A criança de cachecol.


* A cena se completa. O caminhante de volta a casa atravessa uma praça, na qual floresce a acácia e as crianças brincam na gangorra. Uma delas (talvez as duas que brincam na gangorra ou talvez todas, mas não é isso que o haicai apresenta) de cachecol.

14.
Na gangorra da praça,
A criança de cachecol.
15.
Domingo de outono-
A janela a ser aberta
Mostrará algo novo?


* Quando li, a singularidade da criança de cachecol me chamou mais a atenção. Como se fosse apenas uma, como se o frio se anunciasse – e não estivesse já instalado o inverno. Sem dúvida, ficaria melhor se o primeiro verso fosse algo como “Final de tarde”, ou “Tarde de domingo”. Nesse caso, o clima invernal persistiria e permitiria melhor aproveitamento da imagem. Não foi assim que foi escrita, porém. O que me fez decidir por essa estrofe entre as outras foi a delicada relação que ela estabeleceu com a anterior. O outono é tradicionalmente a estação da maturidade. Há um contraste entre a cena alegre do dístico e a modorra do domingo outonal, em que alguém se pergunta sobre a possibilidade de mudança.

15.
Domingo de outono –
A janela a ser aberta
Mostrará algo novo?
16.
De binóculo o vizinho
Vasculhando a vizinhança.


* O dístico constitui um passo adiante na sequência temporal do poema anterior. Alguém se faz a pergunta, provavelmente um velho. E logo se põe a agir. A cena é descontraída, tem aquele humor inclusivo, que é próprio do haicai.

16.
De binóculo o vizinho
Vasculhando a vizinhança.
17.
Tanto mar...
Um cargueiro vai sumindo
Na linha do horizonte


* A cena se amplia de novo. O verso “tanto mar” tem fortes assonâncias sentimentais, para nós, herdeiros dos portugueses e da sua lírica. O renga se tinge de nostalgia. Em certo sentido, é um encadeamento por contraste: há um agudo contraste entre o vizinho olhando a vizinhança e a visão do cargueiro sumindo no horizonte. Pode ser o mesmo sujeito a olhar as duas coisas. Ou pode ser uma espécie de comentário: enquanto um usa o binóculo para ver a vida dos vizinhos o outro prefere olhar para o horizonte amplo. Um senão dessa escolha podia ser o fato de que esse terceto poderia ser encadeado diretamente com o terceto (e não o dístico anterior). Mas não creio que esse tipo de preocupação nos deva perturbar no momento: as formas de encadear, a sutileza das junções é o que precisamos dominar antes de tudo.

17.
Tanto mar...
Um cargueiro vai sumindo
Na linha do horizonte.
18.
Cai a noite sobre as ondas,
piscam luzes dos faróis...

* Nada estava explícito, mas ao que tundo indica até a inserção deste dístico a cena era diurna. Foi uma bela continuação essa, em que o fim do dia se precipita. A cena se completa: é uma marinha. Um véu de melancolia parece de repente instalar-se no renga.

18.
Cai a noite sobre as ondas,
piscam luzes dos faróis...
Um táxi corre
19.
Por avenidas desertas –
O boêmio ronca.


* Outro encadeamento ótimo! Os faróis marinhos são agora faróis de carros. À melancolia marítima sucede uma cena urbana, trazendo o renga de novo para o nível do chão, do prosaico, bem no espírito do haicai. Se as avenidas estão desertas, é madrugada, ou então é mesmo começo da noite de algum feriado. Mas é mais provável que tenhamos de supor um salto entre o anoitecer do dístico e a madrugada do terceto. Os faróis piscam, os olhos do boêmio já não, pois estão fechados. Há ainda alguma correspondência entre as ondas que refletem a luz dos faróis marítimos e as avenidas desertas, iluminadas pelos faróis dos carros. O último verso é de fato ótimo!

19.
Um táxi corre
Por avenidas desertas –
O boêmio ronca.
20.
Ao amanhecer, um pássaro
que não para de cantar.


* Mais um belo encadeamento! O boêmio ronca e o pássaro canta. Ambos continuamente, supomos. A cena é agora situada no começo do dia e cada um faz o que é de acordo com a sua natureza: o notívago dorme, o pássaro acorda. Ambos se manifestam por meio de um ruído específico. Resulta, desse quadro, uma estranha sensação de que o mundo caminha em ordem - como diria o
Blyth.

20.
Ao amanhecer, um pássaro
que não para de cantar.
21.
Céu limpo -
Os olhos das vacas brancas
acompanhando a menina.


* A cena se completa no campo, ou nos subúrbios. Uma menina caminha, vai para a escola talvez, os pássaros cantam e as vacas olham. É algo muito plácido, suave, no qual tudo se integra. Apenas uma nota dissonante: o pássaro no singular. Algo fica um pouco estranho, pois é difícil imaginar um só pássaro cantando ao amanhecer. A singularização do pássaro produz um efeito curioso: seria aquele no qual a menina presta atenção, enquanto as vacas prestam atenção nela?

21.
Céu limpo -
Os olhos das vacas brancas
acompanhando a menina.
22.
À sombra do cogumelo
o inseto se abriga.


* Já não é manhã. O céu está limpo, portanto há sol. As vacas parecem agora modorrentas, olhando o movimento da menina. Dá para imaginar a ruminação interrompida e o olhar de atenção das vacas. Eu preferiria que fosse, no dístico, "um inseto" ou então que ele fosse nomeado. Mas da forma como está não está mal: agora é o olhar da menina que percebe o inseto se abrigando do calor do sol sob a sombra do cogumelo. Quando li, imaginei (vejam o que é a imaginação!) que a menina estava de sombrinha e que o inseto e ela tinham alguma homologia.

22.
À sombra do cogumelo
o inseto se abriga.
23.
paineira florida
a mulher de sombrinha
passa devagar


* Agora sim, o encadeamento é por homologia. O inseto está embaixo do cogumelo como a mulher embaixo da sombrinha. Tudo é uma espécie de guarda-chuva: o cogumelo, a sombrinha propriamente dita e até a paineira sobre o inseto e sobre a mulher de sombrinha.

23.
Paineira florida
a mulher de sombrinha
passa devagar.
24.
no meio da tarde
súbito sopra o vento frio


* Outro encadeamento interessante. As paineiras florescem até abril e formam as bolas de paina no inverno. No encadeamento, o tom é outonal. É a primeira rajada do vento de outono. Mas a pessoa usa sombrinha, então ainda há sol quente. O quadro, com a introdução do outono, permite imaginar agora que a mulher de sombrinha não caminha devagar para olhar as flores, mas por conta
da velhice.

24.
No meio da tarde
súbito sopra o vento frio
Rua de subúrbio -
25.
Saem mães preocupadas
chamando seus filhos.


* Uma súbita mudança de tempo desperta o cuidado materno. A concretude da imagem elimina a melancolia do outono, substituída pela agitação das mães, que dá movimento e uma leve tonalidade dramática ao quadro. É próprio do renga renovar-se, encontrar caminhos surpreendentes.

25.
Rua de subúrbio -
Saem mães preocupadas
Chamando seus filhos.
26.
Vem do ninho o piado
à espera de alimento.


* Mais um encadeamento muito bom. O ponto é 'maternidade'. As mães chamam os filhos; os filhotes de passarinho chamam as mães. Há uma figuração especular, que sugere a unidade do mundo.

26.
Vem do ninho o piado
à espera de alimento.
27.
Névoa da manhã -
Aqui e ali o vulto branco
Do gado no pasto.


* Uma paisagem de paz e renascimento. Ouve-se o piado que vem do ninho, oculto pela névoa espessa, que também domina o pasto. Os pássaros esperam por alimento; o gado se alimenta no pasto. A névoa recobre tudo. A relação entre as estrofes é por semelhança.

27.
Névoa da manhã -
Aqui e ali o vulto branco
Do gado no pasto.
28.
Há sorrisos e covinhas
na Primeira Comunhão.


* O encadeamento é sutil. Manhã de névoa da ideia de primavera. A ideia de renascimento e juventude ecoa na infância. A cena é campestre. A comunhão do homem com a natureza, a unidade do mundo é sugerida por essa cena de brancura em que passamos insensivelmente do que domínio do natural para o da iniciação religiosa.

28.
Há sorrisos e covinhas
Na Primeira Comunhão.
29.
Almoço festivo -
Roupas brancas das crianças
Manchadas de molho.


* O encadeamento completa o quadro, fazendo avançar o relógio até a hora do almoço. A cena se completa com o registro do molho sobre a roupa branca. Embora não haja encadeamento com as estrofes anteriores à que serviu de base, não deixa de ser sugestiva essa concretização da cor através do branco. Agora tudo se vê, inclusive as manchas na roupa.

29.
Almoço festivo -
Roupas brancas das crianças
Manchadas de molho.
30.
A passeata da paz
Na praia de Copacabana.


* A cena parecia campestre. Recebe agora um novo rumo. Estamos em plena cidade. O assunto religioso foi deixado para trás. O branco agora é das roupas de uma caminhada pela paz. É sobre o branco que se faz o encadeamento, mas a reviravolta é notável: deslocando o tema e o cenário, preserva o clima de inclusão, de harmonia, em que ocorrem as marcas prosaicas da vida, nas manchas devidas à alimentação das crianças.

30.
A passeata da paz
Na praia de Copacabana.
31.
Noite de primavera -
Um desejo de abraçar
o filho que partiu.


* O tom subitamente se torna triste, pesado, melancólico. Qual a ligação entre a passeata da paz e o desejo de abraçar o filho que partiu? É o clima de congraçamento, que faz sentir ainda mais a distância? Ou o filho já não vive, é uma das vítimas da guerra ou da violência contra a qual se protesta?

31.
Noite de primavera –
Um desejo de abraçar
O filho que partiu.
32.
Pela janela do quarto,
O perfume do lírio-branco.


* A lembrança do filho ausente se intensifica na noite de primavera, estação que se associa ao renovar da vida e das energias, após o inverno. O quarto está, porém, vazio. O intenso perfume do lírio antes indica a falta que o preenchimento. Não se vê nem o filho, nem o lírio. Mas sente-se, de alguma forma, intensamente, a presença de ambos.

32.
Pela janela do quarto,
O perfume do lírio-branco.
33.
A última página
do livro de cabeceira -
Silêncio e penumbras.


* O encadeamento dá novo rumo ao renga, que estava ficando preso a clima de tristeza. A cena agora é de modorra, de conforto.

33.
A última página
Do livro de cabeceira –
Silêncio e penumbras.
34.
Passo o final do dia
Pensando no outro dia...


* Já não é noite, como há algumas estrofes, mas entardecer. Subitamente, parece que saltamos para o outono. A cena tem um algo melancólico. Se fosse “pensando nos outros dias”, seria decididamente melancólica. Como está, existe a ambiguidade de o outro dia estar no futuro. O encadeamento se fez a partir do silêncio e da indefinição da hora, entre dia e noite.

34.
Passo o final do dia
Pensando no outro dia...
35.
Brinquedos no chão -
O avô sorri sozinho
tomando café.


* A melancolia se foi. O avô se lembra do dia passado com o neto, ou antecipa o próximo dia que passará com ele.

35.
Brinquedos no chão –
O avô sorri sozinho
Tomando café.
36.
Uma cigarra cantando
Vem aí outra estação.


* Um ótimo final para o nosso primeiro renga: renovam-se as gerações dos homens, assim como a natureza, por meio das estações. Assim também o nosso renga se foi renovando ao longo das 36 estrofes.

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domingo, 10 de outubro de 2010

O primeiro renga da lista HAIKAI, coordenada pelo prof. Paulo Franchetti e Rosa Clement


Tarde de verão
Início: 02.02.2010
Término: 04.10.2010

1.
Tarde de verão -
Que refrescante
O cheiro da chuva!

[ Celso Pestana ]

2.
A rede na varanda
Balançando retorcida.

[ José Marins ]

3.
A casa vazia.
O cachorro arranca as roupas
Que secam no varal.

[ Antonio Ezequiel ]

4.
Ecoam pela cidade
As vozes do trio-elétrico.

[ Paulo Franchetti ]

5.
Trilha de montanha
As dores das pernas somem
Ao som da cascata

[ Rosa Clement ]

6.
A imagem de um Buda
Ondula no espelho d’água.

[ Antonio Ezequiel ]

7.
Manhã azul -
O povo chega de metrô
À praça da Sé

[ Celso Pestana ]

8.
A plenos pulmões o pastor
Arrebanha novos fiéis.

[ Antonio Ezequiel ]

9.
Final do dia -
Tantas andorinhas,
Sob um céu de chuva!

[ Paulo Franchetti ]

10.
O gato sobre a mureta
anda pra lá e pra cá.

[ Benedita Azevedo ]

11.
Madrugada -
Chora na maternidade
o mais novo pai.

[ Chris Herrmann ]

12.
Alguém segue contente
pela neblina da cidade.

[ Solange Yokoyawa ]

13.
Caminho de casa -
O sol brilhando nas flores
Da acácia-mimosa.

[ Paulo Franchetti ]

14.
Na gangorra da praça,
a criança de cachecol

[ Jiddu Saldanha ]

15.
Domingo de outono-
a janela a ser aberta
mostrará algo novo?

[ Solange Yokoyawa ]

16.
De binóculo o vizinho
Vasculhando a vizinhança.

[ Benedita Azevedo ]

17.
Tanto mar…
Um cargueiro vai sumindo
Na linha do horizonte

[ Celso Pestana ]

18.
Cai a noite sobre as ondas,
piscam luzes dos faróis …

[ Guin Ga ]

19.
Um táxi corre
Por avenidas desertas -
O boêmio ronca.

[ Celso Pestana ]

20.
Ao amanhecer, um pássaro
que não para de cantar.

[ Rafael Noris ]

21.
Céu limpo -
Os olhos das vacas brancas
acompanhando a menina.

[ Solange Yokoyawa ]

22.
À sombra do cogumelo
o inseto se abriga.

[ Antonio Ezequiel ]

23.
Paineira florida
a mulher de sombrinha.
passa devagar.

[ José Marins ]

24.
No meio da tarde
súbito sopra o vento frio.

[ Carlos Viegas ]

25.
Rua de subúrbio –
Saem mães preocupadas
chamando seus filhos.

[ Guin Ga ]

26.
Vem do ninho o piado
à espera de alimento.

[ Chris Herrmann ]

27.
Névoa da manhã -
Aqui e ali o vulto branco
Do gado no pasto.

[ Paulo Franchetti ]

28.
Há sorrisos e covinhas
na Primeira Comunhão.

[ Chris Herrmann ]

29.
Almoço festivo
Roupas brancas das crianças
Manchadas de molho.

[ Carlos Viegas ]

30.
A passeata da paz
Na praia de Copacabana.

[ Celso Pestana ]

31.
Noite de primavera –
Um desejo de abraçar
o filho que partiu.

[ Ceci Matsu ]

32.
Pela janela do quarto,
O perfume do lírio-branco.

[ Paulo Franchetti]

33.
A última página
do livro de cabeceira -
Silêncio e penumbras.

[ Chris Herrmann ]

34.
Passo o final do dia
Pensando no outro dia…

[ Rafael Noris ]

35.
Brinquedos no chão -
O avô sorri sozinho
tomando café.

[ Chris Herrmann ]

36.
Uma cigarra cantando
Vem aí outra estação.

[ Celso Pestana ]